terça-feira, 24 de maio de 2011

Quando as Mulheres Dominaram o Mundo


Conversa entre pai e filho, por volta do ano de 2031, sobre como as mulheres dominaram o mundo.
- Foi assim que tudo aconteceu, meu filho... Elas planejaram o negócio discretamente, para que não notássemos. Primeiro elas pediram igualdade entre os sexos. Os homens, bobos, nem deram muita bola para isso na ocasião.
Parecia brincadeira. Pouco a pouco, elas conquistaram cargos estratégicos: Diretoras de Orçamento, empresárias, Chefes de Gabinete, Gerentes disso ou daquilo.
- E aí, papai?
- Ah, os homens foram muito ingênuos. Enquanto elas conversavam ao telefone durante horas a fio, eles pensavam que o assunto fosse telenovela ... Triste engano. De fato, era a rebelião se expandindo nos inocentes intervalos comerciais. Oi querida!, por exemplo, era a senha que identificava as líderes.Celulite eram as células que formavam a organização. Quando queriam se referir aos maridos, diziam O regime.
- E vocês? não perceberam nada?
- Ficávamos jogando futebol no clube, despreocupados.

E o que é pior: continuávamos a ajudá-las quando pediam. Carregar malas no aeroporto, consertar torneira, abrir potes de azeitona, ceder a vez nos naufrágios.
Essas coisas de homem.
- Aí, veio o golpe mundial !?
- Sim o golpe. O estopim foi o episódio Hillary-Mônica. Uma farsa.

Tudo armado para desmoralizar o homem mais poderoso do mundo. Pegaram-no pelo ponto fraco, coitado. Já lhe contei, né? A esposa e a amante, que na TV posavam de rivais eram, no fundo, cúmplices de uma trama diabólica.
Pobre Presidente...
- Como era mesmo o nome dele?
- William, acho. Tinha um apelido, mas esqueci...
Desculpe, filho, já faz tanto tempo...
- Tudo bem, papai, não tem importância.

Continue...
- Naquela manha a Casa Branca apareceu pintada de cor-de-rosa. Era o sinal que as mulheres do mundo inteiro aguardavam.
A rebelião tinha sido vitoriosa! Então elas assumiram o poder em todo o planeta. Aquela torre do relógio em Londres chamava-se Big-Ben, e não Big-Betty, como agora...
Só os homens disputavam a Copa do Mundo, sabia? Dia de desfile de moda não era feriado. Essa Secretária Geral da ONU era uma simples cantora.
Depois trocou o nome, de Madonna para Mandona.
- Pai, conta mais...
- Bem filho... O resto você já sabe. Instituíram o Robô Troca-Pneu como equipamento obrigatório de todos os carros... A Lei do Já-Pra-Casa, proibindo os homens de tomar cerveja depois do trabalho...
E, é claro, a famigerada semana da TPM, uma vez por mês...
- TPM ???
- Sim, TPM... A Temporada Provável de Mísseis... É quando elas ficam irritadíssimas e o mundo corre perigo de confronto nuclear....
- Sinto um frio na barriga só de pensar, pai...

- Sssshhh! Escutei barulho de carro chegando. Disfarça e continua picando essas batatas...

Escolhas


 

A sua beleza é jovem e insinuante
Tens a pele fresca e iluminada
Tu vais para onde queres com quem escolhes...
Os seus cabelos brilhantes
São o adorno da tua pele fresca
Ora loiros, ora pretos, ora vermelhos são da cor que tu escolhes...
O seu olhar é um tanto insinuante
Junto ao teu andar delirante
Movimentam os olhos de quem tu escolhes...
O seu corpo leve e interessante
Balança ao som de uma balada
É incansável quando desejas e treme de prazer com quem escolhes...
O teu caminho poderia ser tão brilhante quanto seus cabelos
Tão fascinante quanto o seu olhar
Tão interessante como o seu corpo
Contudo, o teu futuro tu não escolhes.
Um dia todas as tuas ásperas palavras
Todas as tuas más escolhas
Todos os caminhos traçados rumo ao desconhecido
Voltar-se-ão contra ti.
Chega o tempo da colheita!
Hora de se descobrir o que plantou
O tempo levará o frescor da tua mocidade
O vento se encarregará de levar toda a falsa amizade
A vida não mais lhe dará quem aprecie os seus olhos já cansados
Restará, apenas, a lembrança da glória passageira
Então entenderás que não poderá mais dançar
Perceberás, ainda que rodeada pelos teus, a solidão de tuas más escolhas
Sentirás que não poderá voltar atrás, ainda que possas...
E chorarás...
Precisarás de quem a tua jovem vida desprezou
E sentirás toda a vergonha da nudez no Éden
A solidão, não admitida, que outrora sentias entre uma balada e outra
Instalar-se-á de vez
E só então perceberás que, longe de mim,
Durante todo o tempo foste infeliz.


 Por Nayara Dias (Publicado no livro "Gotas Literárias")

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Meu professor de análise sintática era o tipo de sujeito inexistente...

Meu professor de análise sintática era o tipo de sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular como um paradigma da primeira conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça
Paulo Leminski

sábado, 14 de maio de 2011

Crônica: No Coletivo

 Todos juntos e separados ao mesmo tempo. Uns olham para fora, vêem os passantes, os prédios, as casas, os carros. Outros fixam o olhar aqui dentro mesmo, reparam nas roupas, nos calçados, nas faces cansadas, uns vão em pé, outros sentados.
Aqui tem gente de todo jeito, vazio, alegre, triste, feliz, arrasado, pobre, classe média, só não tem rico. De segunda a Sábado (alguns de Segunda a Sexta) nos vemos, não sabemos nossos nomes, mas nos falamos:
_ Bom dia!
_Bom dia!
_Tudo bem?
_Tudo, e você?
_ Bem também.
E pronto. Logo após esse, enorme, diálogo uns se entregam ao jornal, outros a uma revista, muito raramente alguém lê um livro. Eu me entrego a decifrar-lhes as feições, as roupas, os sorrisos enigmáticos mais pra si que para outros, queria algumas vezes poder entrar em mentes, não por curiosidade, mais para entender o outro, quem sabe ajudar... Já há muito tempo me dei conta que cada pessoa tem uma história, um segredo, uma amargura, e hoje quando as olho não consigo deixar de me perguntar “qual? qual história existe por trás desse olhar?”
                Aquela moça morena, por exemplo, entra sempre depois de mim, deve ser secretária, penso eu, sempre vestida de maneira formal, cabelos presos, ar grave, ah! E está apaixonada, pois sempre (a única) a vejo com romances, semana passada ela lia “Senhora”, hoje entrou com “A Moreninha”. Ela entra, passa a roleta, senta-se e lê, nunca diz bom dia, ou muito tímida ou muito besta, visto que é uma secretária, dificilmente deve ser tímida. Acabou de me ocorrer que ela deva ter um caso com o chefe... será? Não, não depois vou pensar melhor nisso.
                Acaba de entrar o rapaz gordo, hoje ficou de pé, este, não consigo decifrar, nunca veste uniforme, um dia está social outro dia esporte, acho que ele deve examinar os outros como eu, muitas vezes já o peguei me observando. A senhora, que sempre entra junto com ele, de roupa florida, cintura grossa, deve ser babá ou professora primária, noto que sempre leva em sua sacola, pequenos brinquedinhos, coisinhas que agradam crianças bem pequenas.
                Também tem o policial, o operário, o vendedor de relógios, um garçom, o zangado, um deprimido e uma deprimida. Bem, pelo menos acho que eles são. Em todos, apesar de cada um ter suas particularidades, noto, que embora parados, corremos. Corremos para o trabalho, para a nossa vida atribulada ou dela caso prefiram, mas todos correm. A vida não nos deixa aquietar e penso, porque não aproveitamos esse tempo, aqui parados, para desabafar, chorar e ser consolados, contar nossas histórias, dividir um lanchinho, contar piadas, cantar, falar de verdade...
                Imagino, alguém dizendo aos prantos,
_ Meu namorado me largou, estou arrazada.
                E alguém pergunta, o que houve?
_ O namorado a deixou, tadinha...
                Daí, todos diriam, quase que ao mesmo tempo, “fica assim não, ele não te merecia”, “Você vai encontrar alguém melhor”, “Isso passa bobinha, se arruma bem bonita, pra quando ele te ver, sentir o que perdeu”. Com certeza, essa moça desceria no seu ponto mais feliz, animada e outro dia a ouviríamos:
_ Conheci uma pessoa.
                Alguém gritaria:
_ Ela tá apaixonada!
                Então todos bateriam palmas em meio a votos de felicidade. Eu já poderia ter celebrado, ou chorado, aqui, algumas vezes. Tantos, que já entraram e saíram chorando... Mas, somos adultos, não podemos rir pra qualquer um, temos que ser carrancudos para sermos respeitados. Alegro-me, profundamente quando vejo os jovens que começam a entrar, mais ou menos, no terceiro ponto e vão se acumulando no decorrer do trajeto, preferem não sentar, se não tiver lugar no fundão e por lá vão se amontoando, sempre sento por ali, para observá-los. Estes se entendem! Paqueram, falam da vida alheia, riem dos passantes, riem sem motivo aparente a todo o momento. Ouço as conversas, todas ao mesmo tempo, não se sabe quem falou.
_ Viu como ele ta gatinho, hoje?
_ Psiu... fala baixo, ai que vergonha!
_ Ei! Tu fez a atividade?
_ Caraca, nem lembrei... Vê quem fez e me passa!
                A condução para, entra uma jovem. Lá atrás alguém grita.
_ Casa comigo?
                E outros prosseguem
_Tu é a nora que mamãe pediu pra Deus!
Caem na risada, e seguem em urras e vivas, na mais perfeita naturalidade. Vejo que a senhora gorda, olha admirada, com certeza, gosta mesmo de crianças. A morena da janela, tão absorta em seu livro, parece nem estar aqui (na verdade não está), outros retorcem o nariz, como se jamais tivessem sido jovens, ou como se quando o foram, eram incapazes de fazer bagunça. O gordo, imprensado, pragueja baixinho, claro que é melhor olhar quando se está sentado. Eu puxo a cordinha, ofereço-lhe o lugar e desço para mais um dia de trabalho. Antes, olho meus amigos sendo levados pela condução para as suas vidas, que, talvez eu jamais saiba qual é. O que seria do ônibus se não houvesse essa meninada?
Até mais tarde, hora de voltar pra casa, penso eu...

Por Nayara Dias (Publicado na Revista Nossa Terra)