sábado, 14 de maio de 2011

Crônica: No Coletivo

 Todos juntos e separados ao mesmo tempo. Uns olham para fora, vêem os passantes, os prédios, as casas, os carros. Outros fixam o olhar aqui dentro mesmo, reparam nas roupas, nos calçados, nas faces cansadas, uns vão em pé, outros sentados.
Aqui tem gente de todo jeito, vazio, alegre, triste, feliz, arrasado, pobre, classe média, só não tem rico. De segunda a Sábado (alguns de Segunda a Sexta) nos vemos, não sabemos nossos nomes, mas nos falamos:
_ Bom dia!
_Bom dia!
_Tudo bem?
_Tudo, e você?
_ Bem também.
E pronto. Logo após esse, enorme, diálogo uns se entregam ao jornal, outros a uma revista, muito raramente alguém lê um livro. Eu me entrego a decifrar-lhes as feições, as roupas, os sorrisos enigmáticos mais pra si que para outros, queria algumas vezes poder entrar em mentes, não por curiosidade, mais para entender o outro, quem sabe ajudar... Já há muito tempo me dei conta que cada pessoa tem uma história, um segredo, uma amargura, e hoje quando as olho não consigo deixar de me perguntar “qual? qual história existe por trás desse olhar?”
                Aquela moça morena, por exemplo, entra sempre depois de mim, deve ser secretária, penso eu, sempre vestida de maneira formal, cabelos presos, ar grave, ah! E está apaixonada, pois sempre (a única) a vejo com romances, semana passada ela lia “Senhora”, hoje entrou com “A Moreninha”. Ela entra, passa a roleta, senta-se e lê, nunca diz bom dia, ou muito tímida ou muito besta, visto que é uma secretária, dificilmente deve ser tímida. Acabou de me ocorrer que ela deva ter um caso com o chefe... será? Não, não depois vou pensar melhor nisso.
                Acaba de entrar o rapaz gordo, hoje ficou de pé, este, não consigo decifrar, nunca veste uniforme, um dia está social outro dia esporte, acho que ele deve examinar os outros como eu, muitas vezes já o peguei me observando. A senhora, que sempre entra junto com ele, de roupa florida, cintura grossa, deve ser babá ou professora primária, noto que sempre leva em sua sacola, pequenos brinquedinhos, coisinhas que agradam crianças bem pequenas.
                Também tem o policial, o operário, o vendedor de relógios, um garçom, o zangado, um deprimido e uma deprimida. Bem, pelo menos acho que eles são. Em todos, apesar de cada um ter suas particularidades, noto, que embora parados, corremos. Corremos para o trabalho, para a nossa vida atribulada ou dela caso prefiram, mas todos correm. A vida não nos deixa aquietar e penso, porque não aproveitamos esse tempo, aqui parados, para desabafar, chorar e ser consolados, contar nossas histórias, dividir um lanchinho, contar piadas, cantar, falar de verdade...
                Imagino, alguém dizendo aos prantos,
_ Meu namorado me largou, estou arrazada.
                E alguém pergunta, o que houve?
_ O namorado a deixou, tadinha...
                Daí, todos diriam, quase que ao mesmo tempo, “fica assim não, ele não te merecia”, “Você vai encontrar alguém melhor”, “Isso passa bobinha, se arruma bem bonita, pra quando ele te ver, sentir o que perdeu”. Com certeza, essa moça desceria no seu ponto mais feliz, animada e outro dia a ouviríamos:
_ Conheci uma pessoa.
                Alguém gritaria:
_ Ela tá apaixonada!
                Então todos bateriam palmas em meio a votos de felicidade. Eu já poderia ter celebrado, ou chorado, aqui, algumas vezes. Tantos, que já entraram e saíram chorando... Mas, somos adultos, não podemos rir pra qualquer um, temos que ser carrancudos para sermos respeitados. Alegro-me, profundamente quando vejo os jovens que começam a entrar, mais ou menos, no terceiro ponto e vão se acumulando no decorrer do trajeto, preferem não sentar, se não tiver lugar no fundão e por lá vão se amontoando, sempre sento por ali, para observá-los. Estes se entendem! Paqueram, falam da vida alheia, riem dos passantes, riem sem motivo aparente a todo o momento. Ouço as conversas, todas ao mesmo tempo, não se sabe quem falou.
_ Viu como ele ta gatinho, hoje?
_ Psiu... fala baixo, ai que vergonha!
_ Ei! Tu fez a atividade?
_ Caraca, nem lembrei... Vê quem fez e me passa!
                A condução para, entra uma jovem. Lá atrás alguém grita.
_ Casa comigo?
                E outros prosseguem
_Tu é a nora que mamãe pediu pra Deus!
Caem na risada, e seguem em urras e vivas, na mais perfeita naturalidade. Vejo que a senhora gorda, olha admirada, com certeza, gosta mesmo de crianças. A morena da janela, tão absorta em seu livro, parece nem estar aqui (na verdade não está), outros retorcem o nariz, como se jamais tivessem sido jovens, ou como se quando o foram, eram incapazes de fazer bagunça. O gordo, imprensado, pragueja baixinho, claro que é melhor olhar quando se está sentado. Eu puxo a cordinha, ofereço-lhe o lugar e desço para mais um dia de trabalho. Antes, olho meus amigos sendo levados pela condução para as suas vidas, que, talvez eu jamais saiba qual é. O que seria do ônibus se não houvesse essa meninada?
Até mais tarde, hora de voltar pra casa, penso eu...

Por Nayara Dias (Publicado na Revista Nossa Terra)

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