quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

UMA MATRIOSKA PARA VOCÊ!



                                                                                                     Por Nayara Ramos


“A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.”
                            Fernando Pessoa


Há um tempo, estive em uma formação em que o facilitador afirmou por muitas vezes ao longo do evento que “Era necessário curar os adultos para que as crianças vivessem em paz!” aquela frase ecoou dentro de mim e me inquietou por muitos dias, por várias razões, entre elas o fato de acreditar que as crianças precisavam de um adulto para ensinar e controlar tudo e qualquer coisa...
Seguindo a linha de pensamento “Incomodou, Doeu? Leva pra casa que é teu!”, eu passei muitos dias sem conseguir esquecer aquelas palavras.
Em uma tarde qualquer, lendo algo de que eu não me lembro aquele pensamento voltou e reverberou, luziu dentro de mim como um insight, estava ali alguém (o palestrante) que conseguiu transformar em palavras uma inquietação que existia dentro de mim, mas que nunca havia tomado forma!
Foi assim que nasceu o desejo de estudar um pouco mais sobre os adultos e como eles, de fato, perturbam a paz das crianças!
E é com essa reflexão que vamos começar a nossa semana!
Mas, o que esse título tem a ver com tudo isso? A Matrioska é um brinquedo artesanal e tradicional da Rússia, também conhecida como “boneca russa”, é caracterizada por reunir uma série de bonecas de tamanhos variados que são colocadas uma dentro das outras (cá entre nós, são lindas!).
De acordo com a cultura russa, as matrioskas simbolizam a ideia de maternidadefertilidadeamor amizade. O fato de uma boneca sair de dentro de outra maior representa o ato do parto, quando a mãe dá à luz a sua filha e, consequentemente, a filha dá à luz a outra criança, e assim sucessivamente. 
Antes de saber sobre o significado matriarcal dessas lindas bonecas, eu sempre as vi como a simbologia de uma pessoa.
Pense comigo! Para se tornar esse adulto que você é hoje, existem muitos de você aí dentro... Se pudéssemos particionar o seu eu, provavelmente tiraríamos vários “eus” de dentro de você! Nesse caso, é perfeitamente aceitável que o seu eu bebê, eu criança, eu adolescente, eu mãe, eu pai... estejam presentes aí dentro da sua Matrioska atual! Mas neste momento, vamos falar do seu eu-criança! O que a maioria das pessoas chama de criança interior!
Todos os adultos, independentemente de ter tido uma infância feliz ou não, tem uma criança interior, e acreditem segundo o psicanalista suíço Carl Gustav Jung em seu ensaio “A psicologia do arquétipo da criança”, o seu eu-criança ainda precisa de carinho, atenção, compreensão, amparo e principalmente de validação de todos os sentimentos reprimidos.
Para Jung, o adulto desconectado da criança interior pode sentir-se profundamente dependente de outras pessoas e ter necessidade constante de aprovação. É aquele que tenta agradar a todos como forma de ser aceito e sente  um vazio nunca preenchido! Esse adulto busca que outros preencham um vazio enorme daquilo que ele não consegue dar a si mesmo. E por isso acaba se afastando dos reais sentimentos - a conexão externa, inclusive com os filhos!
Muitos pais projetam nos filhos as coisas que não conseguiram realizar, o que não conseguiram ser e não percebem que é um peso muito grande depositar a própria vida, a enorme carência de afeto em mãos tão pequeninas... Para Jung, a conexão real e relacionamentos saudáveis baseados em troca e em crescimento mútuo só pode acontecer quando há conexão interna entre o adulto que você é e a criança que você também é!
Recriamos quando adultos, o que vivenciamos nos primeiros anos de vida com os nossos pais, por exemplo, uma pessoa que sofreu humilhação dos pais, provavelmente fará o mesmo com os seus filhos, ainda que prometa não fazer igual!
Então os pais são os culpados? Não estamos aqui procurando culpados, mas sim a origem das dificuldades e sintomas do adulto. Devemos ficar atentos para a repetição de padrão, e só conseguimos romper padrões com a conscientização, que se obtém com o processo de autoconhecimento, autocuidado, empatia, perdão, compromisso com a não violência e bastante reflexão.
No livro “Onde estão as moedas”, Joan Garriga afirma que dentro de cada um de nós, por mais graves que sejam as feridas, os filhos seguem sendo leais a seus pais e inevitavelmente os tomam como modelos e os interiorizam. De algum modo, conectam com uma força que os faz ser como eles. Por isso, quando são capazes de amá-los, honrá-los, dignificá-los e respeitá-los, então podem fazer a mesma coisa consigo mesmos e ser livres. ... muito simples: o que reprovamos nos aprisiona, e só o que amamos nos liberta. (Esse livro é bem curtinho, tem menos de 40 páginas, vou encaminhá-lo para quem necessite de ter um olhar mais profundo sobre os próprios pais)
Jung percebeu que entrar em contato com a criança interior é uma maravilhosa fonte de energia e criatividade interna. É por isso que muitos pais relatam que filhos promovem essa transformação, porque estar em contato com o mundo interno infantil é regredir voluntariamente (isso acontece quando brincamos com os nossos filhos) e é uma maneira de acessar uma fonte de vitalidade, intuição e possibilidades!
Abaixo organizei em tópicos algumas reflexões que te ajudarão a entender melhor a sua criança interior e também a prestar atenção na criança do seu filho:

(A proposta é ler essa parte do texto duas vezes, uma vez você vai ler visualizando a sua própria história, a interação com os seus pais ou as pessoas que os representavam, Depois você lerá novamente, enquanto avalia o modo como, hoje, você conduz a vida do seu filho ou filha.)


1. Palavras podem ser pontes ou muros – Cada criança quando nasce tem a profunda capacidade de amar incondicionalmente, toda ela é feita de amor, bondade, curiosidade, entrega, coragem e espontaneidade.
Ela vivencia o amor em tudo e em todos, inclusive em si mesma... Ela tem uma autoestima inabalada e é naturalmente confiante, essa criança livre tem além de suas necessidades básicas a necessidade de fantasiar, brincar, aprender, ter limites definidos... É fácil perceber quando essa criança sai do amor e foge para a dor, foge para o medo, pois ela é transparente e ainda não aprendeu a arte de disfarçar os próprios sentimentos quando eles são reprimidos, todas as vezes que ela busca alguém em quem confiar e não encontra, todas as vezes que ela tem que chorar sozinha, pois os pais não suportam ouvir o seu choro, todas as vezes que ela é criticada quando comete um erro, todas as vezes que ela é machucada como se a sua dor não importasse... Quantas vezes a sua criança foi negligenciada, silenciada, ferida?
É exatamente assim que uma criança interior livre torna-se uma criança interior ferida, hoje sabemos que a criança interior ferida é a maior causa de infelicidade do mundo. E não precisa acontecer algo necessariamente trágico... Essas feridas aparecem nas falas sutis dos pais ao rotularem os seus filho: “Você não aprende nada mesmo”, “você não tem motivo pra chorar, engole o choro”, “você não vai conseguir”, “você não faz nada certo”, “você é tímido demais”, “você é um covarde”, “deixa de ser bobo”,
“fracote”, “você é enjoado demais”. Ao deixar que eles chorem sozinhos... Negligenciar as emoções das nossas crianças nunca foi uma boa opção! A diferença é que os nossos pais não sabiam, mas você agora sabe!

2. Crianças aprendem pelo exemplo, dê emoções saudáveis para que a sua criança compreenda os próprios sinais interiores, ensine a ela a nomear os próprios sentimentos, as emoções, ensine-a a compreender o que está sentindo e a melhor forma de externar isso para o mundo. De nada adianta pedir calma para a criança se você “ferve” por qualquer situação, ou pedir atenção, se você mesmo não dá atenção para ela! Ou mais absurdo ainda, pedir que ela não grite, se você só fala gritando... Aquela frase, atualmente muito usada “Faça o que eu falo e não o que eu faço”, só ensinam a sua criança a ser, no mínimo, hipócrita e dissimulada!

3. Quando o que me basta não está dentro de mim é um grande sinal de desconexão – Ajude a sua criança a se reconhecer no mundo, saber quem ela é, qual espaço ocupa, sentir-se bem consigo mesma, ser grata, ser positiva, compreender os próprios limites, ter resiliência, ter autodisciplina, encontrar a felicidade nas pequenas coisas. As crianças que não tem identidade dependem de algo que está fora para se sentirem bem: brinquedo, roupas, viagens... E mais tarde quando adultos associam a felicidade a coisas externas, dinheiro, carro, emprego, outro alguém, reconhecimento... uma busca constante... sem nunca sentir satisfação...

4. Reconheça comportamentos –  Há pessoas que vivem intensas tempestades emocionais, aparentemente parecem que são adultos bem resolvidos, mas basta uma centelha para que o desequilíbrio tome conta. Abaixo, você encontrará uma lista de comportamentos organizados por Jackeline Vilela, para avaliar se na sua vida há uma criança ferida. Se for o caso tente descobrir, em que momento isso aconteceu!

 “01. Perda de Identidade, do contato com os próprios sentimentos, carências e desejos guiados pelo sentimento de culpa ou de vergonha. Tendência a se afastar ou a sempre se envolver em problemas (extremos);

02. Comportamento agressivo, seja violência física ou emocional;

03. Carência Profunda, necessidade de ter alguém sempre por perto, sede insaciável de amor, atenção e afeto e, mesmo tendo, não se sente preenchido.

04. Desconfiança ou excesso de confiança, necessidade de estar no controle e ou ingenuidade, choro histérico, etc;

05. Repetição das violências do passado como autopunição, distúrbios físicos, acidentes frequentes, etc;

06. Atribuir a responsabilidade sempre a terceiros, o outro é sempre o responsável pelas situações e com isso não acredita que precisa mudar o próprio comportamento;

07. Distúrbios de intimidade, dificuldade em acreditar, confiar ou desenvolver relacionamentos íntimos (de amor ou até amizade);

08. Comportamentos indisciplinados, agir por impulso ou rigidez, obsessão, necessidade constante de “agradar” os outros (mas, no fundo, espera algo em troca); sentimento de culpa e vergonha, dificuldade para dar uma boa risada, dançar ou cantar;

09. Comportamentos viciados ou compulsivos, como o álcool, drogas, alimentos, trabalho, compras, jogo, sexo, etc. Sentimentos latentes e recorrentes, como a raiva, medo, lamentação, tristeza, alegria, falsa felicidade;

10. Pensamentos distorcidos, como perfeccionismo, egocentrismo, falta de lógica, pessimismo (medo de desgraças imaginárias);

11. Sensação de vazio, com a sensação de viver uma farsa (viver representando), apatia, depressão, falta de contato consigo próprio, vida desinteressante e sem sentido - o interesse pela vida é mínimo porque acredita que ela é um problema a ser resolvido e não uma aventura a ser vivida.” 
 

5. Acolha, aceite e cuide!
Reconhecer a criança interior pode ser muito doloroso, especialmente se você reconhecer no seu filho ou filha algum desses comportamentos, no entanto é muito importante que você acolha essa dor, infelizmente a dor precisa ser sentida e ela não para de doer se for reprimida. Se precisar chorar, chore! Se precisar pensar sobre isso por muitos dias, pense! Só não desista... Nesse contato você poderá descobrir muitas coisas sobre você, inclusive que não é verdade o que fizeram você acreditar sobre si mesma (o). Em alguns casos mais graves, você precisará perdoar e seguir em frente (e nesses casos o melhor é procurar uma terapia).

6. O reencontro com a criança interior é libertador!

Pode curar doenças, fechar feridas emocionais, oferecer coragem, entusiasmo. Em uma vivência que fui, o facilitador pediu a nós que nos imaginássemos como a criança que fomos ou que olhássemos uma fotografia nossa dessa fase da vida. Enquanto nos conectávamos com a nossa imagem da infância, ele pediu para que víssemos uma cena (como em um filme) em que o nosso EU-adulto encontrasse e acolhesse o nosso Eu-criança, tínhamos que nos enxergar fazendo isso em algum lugar conhecido da nossa infância, um lugar que fizesse sentido para a nossa criança interior, então tínhamos que pegar essa criança no colo, abraçá-la e ofertar palavras de encorajamento, aproveitar o momento e falar para ela o que éramos e o que não éramos, mas que mesmo assim nos fizeram acreditar; também deveríamos perguntar a ela se estava precisando de ajuda e o que poderíamos fazer para que ela se sentisse melhor; ao final deveríamos dizer que a partir daquele momento cuidaríamos dela, então nos despedimos prometendo que a ajudaríamos sempre que ela precisasse, que não a deixaríamos sozinha, que não a julgaríamos mal e que voltaríamos com frequência! O exercício foi feito com muita gente, em um ambiente muito acolhedor... Tenho certeza que todos saíram dali como eu, flutuando! Você pode fazer um exercício semelhante em um momento de silêncio... ou pode escrever para sua criança interior, sempre que sentir vontade e depois ler como se tivesse acabado de receber uma carta! Ou gravar um áudio e depois ouvir com um fone de ouvido... Escreva ou fale tudo o que sentir vontade... O efeito é o mesmo...

7. Preserve a criança que nasceu nos seus filhos e filhas!

O melhor presente que podemos dar para os nossos filhos é a educação emocional. Somos humanos e não podemos controlar o meio ou as pessoas com quem vivemos, mas podemos educar o que sentimos diante das dificuldades que a vida nos apresenta...
Cuidar da sua criança interior é um processo de autoconhecimento, leva tempo e é doloroso, aprender a cuidar das suas próprias emoções será para o seu filho(a) um enorme presente, pois assim ele aprenderá com você a fazer o mesmo!
Em casa, você tem um pequeno mestre! Olhe para ele livre da máscara de quem sabe tudo e aprenda com a sua criança a viver em paz e amor!


Para os russos, presentear alguém com uma matrioska é um sinal de grande afeto e desejo de vida longa e feliz. Então toma, essa Matrioska é para você... sejam bem vindxs!

Um comentário:

  1. BOA TARDE NAYARA,ADOREI A LEITURA ME FEZ REPENSAR EM VARIAS FASES DA MINHA VIDA, A CADA DIA QUE PASSA AGRADEÇO A DEUS PELA OPORTUNIDADE DE AMPLIAR O MEU CONHECIMENTO, E TER A CHANCE DE VOLTAR ATRAS PARA RECONHECER MINHAS FALHAS E PODER CONSTRUIR UM FUTURO MARAVILHOSO AO LADO DOS QUE AMO, NÃO DEIXAREMOS NADA DE INTERESSANTE AOS NOSSOS A NÃO SER A CONQUISTA DO DIA A DIA, DO PRAZER DE ESTAR AO LADO DE CADA UM DELES, UMA LEMBRANÇA GOSTOSA DOS TEMPOS VIVIDOS... E TBEM LHE O LIVRO QUE INDICOU MARAVILHOSO.“Onde estão as moedas”.BEIJOS E ATE A PRÓXIMA LEITURA. DIANNY

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